domingo, 27 de outubro de 2013

Um mimo de capelinha com os traços do grafite

Igreja dedicada a São José é um recanto de paz na vizinhança do mais famoso reduto de prostituição da cidade



Nani e frei Nilson, com São José grafitado atrás e entre palavras cristãs Foto: Agência O Globo


Nani e frei Nilson, com São José grafitado atrás e entre palavras cristãs Agência O Globo

RIO - É quase inevitável o choque quando se chega ao portão de número 205 da Rua Hilário Ribeiro, na Praça da Bandeira. Situando melhor o endereço, a rua fica na vizinhança da Vila Mimosa, onde às 17h de uma quarta-feira chuvosa o batidão do funk já domina o som  ambiente e moças circulam preparadas (escovão no cabelo, roupas coladíssimas) para mais uma noite. No endereço em questão, funciona uma minúscula igreja, que somente pela localização já seria peculiar. Mas não é só isso: a Capela São José é o primeiro templo católico todo grafitado do Brasil, onde um frei carmelita formado em jornalismo, vegetariano e adepto da malhação celebra a missa de domingo, sempre de calça jeans sob a batina e tênis esportivo nos pés.
Uma característica que une a capelinha à Vila Mimosa (no caso dos visitantes de primeira viagem) é a sensação de estar atravessando um portal para outro mundo. Em tratando-se da capela, ao passar do portão, o fiel é recepcionado por flores pintadas com spray na fachada e outras de verdade, coloridas, plantadas em vasinhos. No interior, o pequeno e aconchegante salão faz carinho na alma: a beleza está nas paredes grafitadas em tons de amarelo pastel — ganhando um brilho dourado devido à iluminação — com folhas que flutuam, muitas e muitas flores desenhadas e palavras cristãs, como luz, fé, igualdade e esperança. O São José com o menino Jesus no colo aparece num campo de girassóis num quadro com os traços do grafiteiro Fábio Ema, um dos artistas mais cultuados do meio.
É ele quem está revolucionando, por caridade, o visual da capela, cuja frequência maior é hoje de crianças de famílias pobres que vivem na região. As prostitutas da Vila Mimosa são vistas mais em atividades promovidas para elas durante a semana, por um grupo de irmãs. As missas de domingo atualmente ocorrem às 19h, em paralelo ao clima quentíssimo do lado de fora.
No pequeno santuário, gentileza e caridade
Ligada à Ordem das Carmelitas Descalças, a capelinha foi inaugurada em 2000. Deteriorada, há pouco mais de três meses foi iniciada uma reforma geral, sob a supervisão do designer João Bird, da Fundição Progresso, e a partir de doações. O lugar foi reinaugurado no último dia 6 com missa liderada pelo arcebispo do Rio, dom Orani Tempesta.
A relação do templo com a vizinhança é delicada. O fato de já ter sido chamada de “capela da Vila Mimosa” provocou uma debandada de crianças que moram no entorno e que se preparavam para a primeira comunhão. O frei Nilson, de 43 anos, há dois anos se empenha em passar valores positivos para a juventude.
— Falta uma estrutura familiar às crianças. Os pais trabalham o dia inteiro e elas não têm muito apoio nos estudos. Elas ficam soltas, e o contato com essa cultura que se expande da Vila Mimosa acaba influenciando no comportamento — diz o frei, que, durante as missas, embaladas pelo seu violão, precisa contornar situações. — Às vezes, a música sacra se mistura ao som profano do funk e temos que fechar a capela.
Coordenadora há 9 anos da capela, Nani Queiroz, de 37 anos, conta que o santuário atende 450 famílias da região. O local é um porto seguro:
— Não estamos aqui para julgar, mas para estender a mão — diz Nani, explicando que a chaga dessa área é a pobreza. A Fundição Progresso se envolveu com a capela por meio de João Maurício Pinho, colecionador de arte popular e autor da ideia do grafite. Perfeito Fortuna, da Fundição, diz que o espaço é hoje como “um sol”, que joga luz sobre uma área degrada (a prefeitura já trocou a iluminação da rua).